Yokohama, Japão. Final do Mundial de Clubes de 2006. Um ano após o Brasil recuperar o título, em vitória dramática do São Paulo sobre o Liverpool, outro campeão da CONMEBOL Libertadores teria uma missão (ainda mais) ingrata: superar o todo-poderoso Barcelona, à época com Ronaldinho Gaúcho, melhor jogador do mundo nos dois anos anteriores.
“Não tinha dúvida que íamos ganhar”, garantiu, quase 20 anos depois, Abel Braga, no segundo episódio do “Papo de Mundial”, programa da ESPN que reúne histórias sobre o torneio interclubes. “O Roberto Moreno era o observador. Nos quatro jogos que ele trouxe para eu analisar, o Barcelona perdeu praticamente do mesmo jeito. Nós sabíamos como jogava”.
O documento, ao qual a ESPN teve acesso, ainda serve de relíquia e ótimas lembranças até hoje. Nele, o olheiro do Internacional apontou os pontos fracos de um time que parecia mágico. O primeiro deles: Carles Puyol. Zagueiro formado na base e que levantaria todos os títulos pelo Barça, ele não enchia os olhos do observador.
“Se jogasse no Brasil, seria taxado como ‘grosso'”, escreveu Robertinho, para também apontar Eidur Gudjohnsen, limitado atacante da Islândia, como outro “patinho feio” do elenco catalão. “Não possui boa técnica, mas esse islandês tem presença de área”.
Puyol, é verdade, esteve envolvido no gol que deu o título mundial ao Inter. Foi o zagueiro que perdeu a dividida com Iarley, na origem do contra-ataque que acabou no pé direito de Adriano Gabiru. Uma vitória construída nos detalhes, na análise e na certeza que ela aconteceria antes de a bola rolar.
Confiança de Abel; soberba do Barça?
O favoritismo estava inteiro nas mãos do Barcelona, campeão europeu em cima do Arsenal, de Thierry Henry, e que amassou o América-MEX na semifinal. Isso não abalou a confiança de Abel Braga.
“Eu dizia para os caras [jogadores]: ‘Já deu para perceber que nós estamos entre os quatro melhores do mundo?’. Os caras me olharam meio assustados. E tentava lembrar para eles da dificuldade que foi para estar ali”, discursou o técnico.
“Como é difícil ganhar uma Libertadores. Você lembrar as dificuldades, o jogo do México, contra o Libertad, o São Paulo. Lembrar isso tudo fazia os caras pensarem: ‘Caramba, valeu a pena’. O que vamos fazer aqui? Favoritismo é todo do outro lado, vamos jogar com o Barcelona na final, que é o que todo mundo almeja”.
A vitória na semifinal foi sofrida. Alexandre Pato, que havia estreado no time principal dias antes, abriu o placar contra o Al Ahly, que empatou com Flávio. A menos de 20 minutos do fim, Luiz Adriano decidiu a vaga colorada para a decisão.
No dia seguinte, o Barcelona trucidiu o América: 4 a 0, gols de Gudjhonsen, Rafa Márquez, Ronaldinho Gaúcho e Deco. Isso tudo sem Samuel Eto’o e Lionel Messi, já titulares, mas machucados e fora do torneio.
“Quando nós passamos do primeiro jogo, nós íamos para o treino, uns meninos pediam autógrafo, e eles falavam assim: ‘Vai ser três (a zero)’. Eu falava para os caras: ‘Estão falando que vamos perder de três’. Na cabeça dos caras todos os dias. Isso pesou”, contou.
O treinador ainda relembra que, na decisão, viu um Barcelona diferente do que muitos estavam acostumados. Anos depois, ao reencontrar Deco, ouviu que os blaugranas pecaram pelo excesso de confiança.
“Depois, fui treinar o Deco em 2012 no Fluminense, pedi para ele me explicar: ‘Fui ver o jogo de vocês contra o América-MEX, parecia um ataque contra defesa, brincando’. Ele explicou que teve um pouco de soberba. Custou caro”.
Acerto tático
Munido do relatório organizado por Roberto Moreno meses antes da final, Abel Braga ajustou taticamente o Inter para a batalha que seria enfrentar o Barcelona. O aspecto ofensivo, claro, teve atenção, mas foi a defesa que fez a diferença.
“Fizemos um esquema em que Fernandão era o atacante centralizado, mas sem bola ele deveria focar no Thiago Motta, para que ele não recebesse a bola. E o Barcelona se perdeu muito nisso”, relatou Abel.
Mas, mesmo com um planejamento e análises prévias perfeitos, a vitória não seria possível se não fossem os jogadores. Abel soube sentir, já no vestiário, que a motivação para sair com a taça era imensa.
“Tudo é o timing, é o feeling no vestiário. Chega, os jogadores começam a trocar de roupa, o treinador anda aqui, anda para lá, só observa. Naquele momento, o estado de espírito te dá um feeling de que as coisas vão correr bem, está estranho, onde tenho que dar um toque”, lembrou.
“Depois de tudo isso ter corrido bem no vestiário, no túnel, na entrada em campo, eu sabia: eles vão sofrer, nós vamos morrer pela vitória, mas eles vão sofrer. Se você analisar o jogo, o resultado parece estranho, mas não teve domínio do Barcelona. O jogo foi controladíssimo”.
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Na comemoração do gol do título, Abel olha para o céu e agradece a Deus com uma expressão de alívio. Um sentimento de quem sabia que aquele título, somado aos outros pelo Colorado, apagavam uma fama do passado. Na roleta-russa que é o futebol, Abel viu muitas vezes a bola bater na trave e sair. Naquele 17 de dezembro de 2006, no Japão, Victor Valdés até tocou com a luva na bola, mas não impediu o chute.
“Em 2004 e 2005, no Flamengo e no Fluminense, conquistamos o Campeonato Carioca, eu fui bi, e cheguei nas finais da Copa do Brasil. Começaram a falar que eu era bi-vice. E eu cheguei assim no Inter, apesar de já ter uma moral muito boa no clube. Aquilo ficou marcado”, relembrou.
“Um dia, meu filho chegou para mim e perguntou: ‘pai, por que te chamam de bi-vice?’ Eu fui explicar para ele que o pai não ganhou, mas chegou na final. Na Libertadores, a comemoração é mais ou menos parecida. E como eu sou religioso, sou católico, foi um ‘obrigado pela justiça’. Eu agradeço sempre tudo que tenho e agradeço ao futebol por ter me dado isso tudo”.